
Efeito Entourage
Uma molécula presente na maioria das plantas, com a função de fazer a defesa química delas, pode agir em conjunto com os canabinoides e potencializar seus efeitos.
Medicamentos à base de Cannabis são usados há milênios e seus principais constituintes isolados utilizados atualmente são o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC). No entanto, a Cannabis contém centenas de outros compostos, e seus efeitos combinados são relatados por pacientes como mais efetivos do que os componentes isolados.
Isso ocorre devido ao chamado "efeito entourage", que é a potencialização do efeito biológico de um composto por outros compostos relacionados, mas inativos, usados em combinação. Este efeito é diferente da sinergia, ou também chamado sinergismo, que é um efeito onde dois ou mais compostos ativos podem produzir um efeito aditivo ou combinado maior do que seus efeitos individuais separados. Neste sentido, tem sido debatido se o extrato que contém a planta inteira oferece benefícios adicionais em comparação com os canabinoides isolados. Já existem evidências crescentes de que certas preparações de Cannabis exibem efeitos diferenciados quando comparadas com os canabinoides isolados.
As plantas de Cannabis variam amplamente na composição de suas moléculas, contendo além dos conhecidos canabinoides, também terpenos, flavonoides e outros, que podem funcionar em combinação para produzir grandes variações nos benefícios e também na modulação dos efeitos colaterais.
Terpenos são moléculas presentes na maioria das plantas, conhecidas também como metabólitos secundários, e têm a função de fazer a defesa química das plantas, contra os herbívoros (animais que se alimentam de plantas). A Cannabis contém até 200 terpenos diferentes que agem sinergicamente com canabinoides em uma variedade de alvos, mediando uma variedade de efeitos terapêuticos. Alguns dos terpenos foram analisados e demonstraram exercer uma série de efeitos, incluindo anti-inflamatório, analgésico, ansiolítico, antidepressivo e sedativo em estudos pré-clínicos. O conhecimento das propriedades medicinais individuais dos canabinoides, terpenos e flavonoides é essencial para obter composições ideais e direcionar para sintomas e/ou doenças específicos. Os efeitos de terpenos individuais em humanos e estudos pré-clínicos em suas concentrações fisiológicas ainda são necessários.
Acredita-se que os efeitos biológicos dos terpenos sobre os canabinoides estejam por trás da preferência de alguns pacientes por extratos em vez de compostos isolados. A base molecular desse efeito foi examinada em um estudo comparando os efeitos de canabinoides isolados e extratos botânicos de Cannabis em células transfectadas, que encontraram atividade inibitória significativa dos extratos botânicos em comparação com os canabinoides puros em uma variedade de alvos, com função de dessensibilização. No entanto, como esses dados são derivados de células transfectadas, mais estudos in vivo e estudos in vitro com neurônios sensoriais serão necessários para confirmar a significância desses achados.
O CBD isolado já foi identificado como tendo efeitos anti-inflamatórios em um modelo de dor inflamatória em ratos. Este efeito foi significativamente melhorado pela injeção de todo o extrato vegetal de Cannabis sativa com alto teor de CBD, para fornecer uma resposta com maiores efeitos de analgesia e inchaço reduzido em comparação com o tratamento com CBD puro.
Há dados de suporte para os efeitos sinérgicos e de entourage dos canabinoides, mas ainda são necessários mais estudos, desde mecanismos moleculares até ensaios clínicos.
Com base nessas descobertas, futuros ensaios clínicos podem comprovar que os canabinoides e outras moléculas da Cannabis, em combinação, proporcionam melhor eficácia e menos efeitos colaterais, e são uma opção favorável em comparação com outras drogas, principalmente os opioides.
Referências:
Anand, U., Pacchetti, B., Anand, P., & Sodergren, M. H. (2021). Cannabis-based medicines and pain: a review of potential synergistic and entourage effects. Pain Management, 11(4), 395-403. doi:10.2217/pmt-2020-0110
Raven, P. H., Evert, R. F., & Eichhorn, S. E. (2001). Biologia Vegetal. 6ª edição Guanabara Koogan. Rio de Janeiro.