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Síndrome de Dravet e o tratamento com Cannabis medicinal

A síndrome de Dravet é uma doença cerebral que altera o funcionamento e/ou a estrutura do cérebro, onde a atividade epiléptica é tão intensa que contribui para o comprometimento cognitivo e comportamental. Geralmente tem início com convulsão febril no primeiro ano de vida, que alterna para convulsões não febris até os 5 anos de idade. Após essa idade, a frequência das crises começa a diminuir, com uma transição gradual com a idade para as crises noturnas, que são o principal tipo de crise em adultos. Além das convulsões, os pacientes apresentam vários graus de disfunção cognitiva e problemas comportamentais. Assim, embora a carga de convulsões possa se dissipar com a idade, permanece um alto nível de dependência ao longo da vida do paciente. 

Os pacientes costumam ser tratados com múltiplos medicamentos anticonvulsionantes na tentativa de controlar as convulsões. O  valproato e o clobazam, comumente administrados para casos de convulsão, geralmente são inadequados. Com isso em mente, medicamentos foram aprovados como terapias adjuvantes em pacientes com a síndrome de Dravet e um deles é o canabidiol. Uma solução CBD foi aprovada em junho de 2018 nos Estados Unidos da América, para o tratamento de convulsões associadas a esta síndrome em pacientes com idade igual ou maior que dois anos, e na União Europeia para pacientes com 1 ano de idade ou mais. Isso ocorreu devido a estudos que mostraram que o canabidiol reduziu a gravidade e a frequência das convulsões resistentes. 

O canabidiol é um composto extraído da planta Cannabis sativa que não possui os efeitos colaterais psicoativos de outro importante componente da planta, o tetra-hidrocanabinol. O CBD tem mecanismos de ação distintos de outros medicamentos anticonvulsionantes, pois modula o cálcio intracelular por meio do receptor acoplado à proteína G 55 e do potencial do receptor transitório vanilóide 1, e também inibe a captação celular de adenosina por meio do transportador equilibrativo de nucleosídeos 1. 

O medicamento aprovado é uma solução oral à base de óleo de CBD altamente purificado de 100 mg/ml. Tem sido administrado duas vezes ao dia, com uma dose inicial recomendada de 5 mg/kg/dia durante 1 semana, seguida de um aumento para uma dose de manutenção de 10 mg/kg/dia. Posteriormente, pode ser gradualmente titulado em 5 mg/kg/dia até um máximo de 20 mg/kg/dia, dependendo da resposta clínica e da tolerabilidade. Observou-se que a titulação lenta do CBD, ou seja, atingir uma dose alvo de 10 mg/kg/dia em pelo menos 1 mês e depois aumentar gradualmente até uma dose máxima de 20 mg/kg/dia, resulta em melhor tolerância com eficácia equivalente.

Como é previsto que o canabidiol seja usado em conjunto com os medicamentos antiepiléticos comumente usados (clobazam, estiripentol e valproato), desta forma é importante considerar as interações medicamentosas entre o CBD e estes medicamentos. Um estudo sobre essa interação fez uma avaliação de segurança e tolerabilidade baseada no número, tipo e gravidade dos efeitos adversos, testes laboratoriais clínicos, sinais vitais, eletrocardiograma de 12 derivações, exame físico e questionário Columbia-Suicide Severity Rating Scale. Todos os medicamentos foram moderadamente bem tolerados quando coadministrados com o canabidiol no estudo, não tendo sido reportado nenhum efeito adverso grave. Os eventos mais graves relatados foram erupções cutâneas (sem envolvimento da mucosa). 

Através destes estudos mencionados e outros existentes, o canabidiol se mostra eficaz no tratamento de epilepsias oriundas da síndrome de Dravet, com utilização aprovada (nos Estados Unidos da América e União Europeia) em pacientes pediátricos a partir de 1 ano de idade e sendo bem tolerado quando coadministrado com outros medicamentos anticonvulsionantes. 

 

Referências:

Morrison, G., Crockett, J., Blakey, G., & Sommerville, K. (2019). A phase 1, open‐label, pharmacokinetic trial to investigate possible drug‐drug interactions between clobazam, stiripentol, or valproate and cannabidiol in healthy subjects. Clinical pharmacology in drug development, 8(8), 1009-1031. DOI: 10.1002/cpdd.665

Strzelczyk, A., & Schubert-Bast, S. (2022). A practical guide to the treatment of Dravet syndrome with anti-seizure medication. CNS drugs, 36(3), 217-237. DOI: 10.1007/s40263-022-00898-1

Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, São Paulo,

https://www.fcm.unicamp.br/fcm/neuropediatria-conteudo-didatico/epilepsia/encefalopatias-epilepticas , acesso em 03/02/2023